Crônica para Adoniran Barbosa

Crônica para Adoniran Barbosa

“Não posso ficar nem mais um minuto com você, sinto muito amor, mas não pode ser… moro em Jaçanã, se eu perder esse trem que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã…”, canta um senhor de cabelos brancos no trem. As pessoas em volta o analisam como se ele fosse um ser bizarro. Ao que percebo, fui a única que sorri.

Talvez a rotina da metrópole tenha deixado as pessoas tão anestesiadas, que as fazem estranhar quem vive com mais leveza. A sensação é de que há ferrugem nos sorrisos (parafraseando um outro poeta, dessa vez brasiliense).

Desci do trem e segui meu caminho pensando naqueles versos e em como alguém pode se imortalizar por meio da própria rotina. Sim, rotina!

O que Adoniran fazia era cantar o cotidiano – o dele e o de todos os paulistanos – e ouvir suas canções é se transportar para uma São Paulo antiga, que muitos de nós só conhece por fotos e causos.

Quem é que não cria uma imagem mental ouvindo versos como: “Domingo nós fumo num samba no Bexiga, na Rua Major, na casa do Nicola… À mezza notte o’clock, saiu uma baita duma briga, era só pizza que avuava junto com as brachola…”?

João Rubinato, nome de batismo de Adoniran Barbosa, assim como muitos, foi um paulistano fruto da imigração italiana na cidade do café e é considerado o pai do samba de São Paulo, mas começou a caminhar com as próprias pernas trabalhando como entregador de marmitas lá em Jundiaí.

Diante de sua história de vida, ouso dizer que o que fez Adoniran tão grande, foi o fato de ele conseguir ver arte onde ninguém mais via e, quando digo arte, me refiro à capacidade que temos de transformar uma coisa em outra coisa, mais bonita. Se ele (e tantos outros) não enxergassem algum tipo de beleza nessa cidade esmagadora de sonhos, muitos dos hinos paulistanos não existiriam.

Quantos mais podem existir?

Atualizado em 03/2021

Sobre o autor

Gabriela, 23 anos, devoradora de livros e futura jornalista.

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