Sobre pessoas, estações e histórias de metrô

Sobre pessoas, estações e histórias de metrô

Já faz certo tempo, algo em torno de 3, 4 anos ou até mais que ninguém de minha família tem carro, e independente dos motivos pelos quais isso ocorreu, não ter um veículo abriu várias possibilidades interessantes de interação com a cidade e com as pessoas que aqui  vivem.

Para mim, talvez por nunca ter visitado uma cidade que tivesse, ou por isso ser realmente um fato e outras pessoas compartilharem de minha opinião, o metrô é algo extremamente paulistano. É como se pudéssemos transferir aquela correria absurda da Av. Paulista para debaixo da terra, como se substituíssemos as pernas por movimento nos trilhos.

Quando eu não usava metrô, nunca entendi como funcionava exatamente a transição entre uma estação e outra, como as pessoas se achavam nas linhas, como de uma poderíamos ir para a outra, e quando aprendi a usá-lo, muitas coisas fizeram sentido e minha cabeça passou a associar trajetos, pessoas e destinos de uma maneira que eu mesmo nunca havia provado, e é delicioso. Gosto de chamar de “histórias de metrô”.

Todos os dias, caminho a passos largos até o metrô, normalmente ouvindo algum podcast, já que as músicas em meu celular são as mesmas desde que o comprei (ah, a preguiça…). Ao chegar ao metrô e correr para alcançar o trem, pois é lógico que o metrô com ar condicionado sempre está chegando ou saindo da estação, após algum ‘’empurra empurra’’, eu consigo entrar e as portas se fecham.

Tiro meu livro da mochila e começo a leitura, até que meu olhar e meus pensamentos  desviam-se, e daí não há leitura que segure-os. Entra um garoto de camisa xadrez, fones de ouvido e óculos, que deve ser um pouco mais velho que eu. Ele se acomoda na parede oposta à porta em que estou, e eu começo a pensar.

Já notou como tudo conversa com tudo de alguma maneira no metrô? O garoto de camisa xadrez me mostra uma história que eu mesmo invento, e que dialoga diretamente com a minha e com a da senhora sentada no banco preferencial ao lado dele. São histórias completamente diferentes, mas que ali, naquele momento, encaixam-se pelo simples fato de estarem ali, no mesmo lugar, na mesma hora.

Todo mundo que está no metrô quer uma única coisa: chegar a algum lugar. Esse senso comum faz com que todas as pessoas estejam ligadas de alguma maneira, e minha cabeça não demora  para inventar histórias: “Para onde ela vai? O que faz? Aposto que deve estudar naquela faculdade e deve estar ouvindo algum estilo de música independente. Vai descer ali, tenho certeza”.

É um exercício muito louco essa criação de ideias a partir de pessoas que você tecnicamente não conhece, mas passa a conhecer muito bem a partir do momento em que compartilha um vagão.

Ignorar aquelas pessoas que estão ali com você é simplesmente impossível, afinal elas estão ali, no mesmo local que você! Quem nunca encontrou alguém lendo um livro legal e pensou que aquela pessoa deveria ser simplesmente incrível? Quem nunca olhou para o lado, encontrou uma camiseta com uma estampa divertida e logo criou uma vida inteira para quem estava vestindo? Quem nunca encontrou um amor platônico no vagão e pediu para si mesmo que tal pessoa nunca descesse?

É inevitável. Você está conversando com aquelas pessoas a toda a hora e elas estão pensando coisas sobre você também, é lógico!

Pense que enquanto você está indo para o trabalho com aquele mau humor de segunda-feira de manhã, alguém pode estar olhando para você e pensando o exato oposto. Pensando que você é sensacional por estar vestindo aquela camiseta verde, por usar os fones pretos ao invés de brancos e no que você está ouvindo.

Crie histórias, entenda as pessoas, traga-as mais para perto ainda que só em imaginação, e então uma simples viagem de metrô pode virar a roda de amigos mais gostosa que você já teve. Você pode até mesmo arriscar um beijo naquele amor platônico! Quem sabe ele não está tentando fazer exatamente a mesma coisa naquele momento?

Atualizado em 02/2021
Foto de Wilfredor em Wikimedia Commons

Sobre o autor

Um cara que é estudante de jornalismo (quase) dedicado, com uma barba ruiva que só vê barbeador (bem) de vez em quando e que gosta de tentar entender o que se passa pela cabeça das pessoas. Meio maluco, mas se entende com a bagunça que é sua mente, gosta de videogames e quadrinhos e é aficcionado por buscar explicações (não) científicas do mundo em que vocês acham que ele vive. Tudo isso enquanto toma uma xícara de chá e ouve discos de vinil de várias décadas atrás.

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