As pombas não voam mais

Eu adoro viajar para o inte18set2012---pombos-pousam-em-fio-eletricos-em-srinagar-na-india-1347967180812_956x500rior.

Apesar de toda a correria com ônibus, estrada e mochila pesada nas costas, eu gosto de acordar na manhã de domingo com o som do carro do vendedor de ovos,  com a bagunça do vizinho organizando o churrasco e as senhoras varrendo a calçada.

Eu gosto da hora no relógio que não passa e de procurar as partes geladas do lençol pra refrescar um pouco o corpo depois do almoço. Gosto de achar uma sombra no quintal e sentar no chão do lado do meu cachorro.

São tantas as coisas das quais sinto saudade, mas de todas elas, as que mais me doem são as cheias de lembranças simples.

Às vezes sinto falta das vozes das crianças brincando na rua, da bola que cai no quintal, da buzina do sorveteiro. Parece a descrição daqueles estereótipos baratos da vida no interior, mas depois de vir morar numa cidade grande, me permito sentir essa saudade banal e a velha nostalgia das tardes em que eu chegava em casa num dia quente, tirava os sapatos e andava descalça no chão frio.

Sinto falta das mexericas depois do almoço e o silêncio da casa no final da tarde. As sombras no muro cinza, o cheiro da água que sai da mangueira – tudo isso deve ser o que chamam de lar.

Às vezes sinto falta de ouvir minha própria voz no corredor comprido que leva até o quarto, que beira todos os cômodos e que quase sempre está escuro. Sinto falta de apagar a luz da garagem depois de mais um dia de trabalho e descansar – relaxar de verdade, com a rua silenciosa.

Em São Paulo, a luz da minha garagem é a luz da rua, e essa não apaga de noite. Aqui a gente não descansa, tem sempre algo a mais para se pensar, mais uma página do livro para ler, uma hora a menos no relógio para dormir.

Eu ando e sinto falta do tato, da conversa de portão, da mão da vizinha no meu ombro enquanto o filho pequeno anda de bicicleta na calçada.

Aqui em São Paulo, as pombas não voam mais, elas andam na sua frente corriqueiramente, pacientemente, como se a natureza reivindicasse seu espaço de volta na selva de pedra, como se nós fôssemos os estranhos que devêssemos alçar voo e voltar para os ninhos.

Eu adoro viajar para o interior, mas quando eu volto de lá me dá uma saudade, um vontade de fechar os olhos e fingir que nada mudou. Como se por alguns instantes, eu pudesse sentir que em São Paulo ainda me resta um pouco dessa vida calma e que o passo da rotina não me empurra da segunda-feira para a terça, da terça para a quarta, como se a vida fosse isso mesmo, um trem em movimento distante da estação final.

Se eu tivesse licença poética, eu diria que amodeio São Paulo. Seu caos e seus barulhos às vezes se parecem com os sons que anunciam o futuro, mas a convivência aqui é um constante exercício de gratidão, paciência e gentileza. Sim, existe amor em SP, existe vida e poesia.

Mas para mim existe, sobretudo, saudade.

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