Uma história pra chamar de nossa

Uma história pra chamar de nossa

Era um dia como outro qualquer, ou pelo menos era o que ele pensava quando acordou naquela manhã, atrasado como de costume. Levantou da cama, e como se fosse em um pulo só, se trocou, escolheu o livro que levaria para o caminho e apoiou a mochila sobre os ombros.

Saiu do quarto, ainda com muito sono (percebeu que depois do pulo de nada adiantava correr, ou bateria a cabeça nas paredes) e foi tomar seu café da manhã. Pão, manteiga, leite….”não adianta procurar o Nescau na geladeira, imbecil”.
Acabou o café da manhã e saiu de casa quase 20 minutos depois do horário em que deveria ter saído, pois aquele era o horário no qual tinha acordado.

Desceu a rua calmo, pois já tinha aceitado o atraso. Paulistano tem dessas, né? A gente aceita que atrasou e desiste de acelerar o passo. Chegou à porta do metrô Santana, olhou o relógio e percebeu que decididamente não estaria no trabalho na hora.
Passou o bilhete na catraca, subiu as escadas e parou em frente à plataforma.

Ia pegar o livro na mochila quando, ao invés de olhar para o zíper, olhou para a frente. O trem havia chegado na estação naquele minuto. Ele passou os olhos pela janela e só conseguiu pensar em uma coisa: “Nossa, como é linda.”
Os cabelos, os olhos, o livro sobre a bolsa em seu colo, suas roupas…

Ela retribuiu o olhar e desceu do trem enquanto sorria aquele que ele jurava que era o sorriso mais lindo que já havia visto (pleonasmo, talvez! Mas há algo mais gostoso do que assistir alguém sorrir um sorriso lindo?) e parou à sua frente.

“Oi”, ela disse. Ele não respondeu naquele momento, afinal estava extasiado demais com aquela paixão repentina.
Ela tentou de novo. “Oiêêê!”. Dessa vez ele respondeu.
“Oi!” E pronto (ele jurava que nunca mais diria outra palavra para ela, mas por outro lado ele queria ouvir outra vez aquela voz apaixonante).
“Tudo bem?” Silêncio…. “Você é lindo, sabia?”
Agora sim ele havia desistido. Ficou na dúvida se corria, se dizia o que estava pensando ou se o canteiro da praça ali na frente era muito longe pra ele enfiar a cabeça na terra, mas no fim criou coragem.
“Você também…” Foi tímido, mas ela entendeu e correspondeu. “Vem aqui…”

Os dois foram tomar um café em uma padaria ali perto, a essa altura ele já tinha aberto mão do trabalho. Sentaram na mesa e fizeram o pedido, praticamente na mesma hora, praticamente o mesmo pedido: ele, um pão na chapa e um pingado, e ela um lanche de peito de peru com queijo branco e um suco de melancia.

A conversa durou horas. Falaram sobre música, televisão, videogame, animais de estimação, irmãos…e então o café acabou. Os pratos foram recolhidos e eles ficaram alguns segundos olhando um para o outro.
Os olhos verdes dela o encantavam de uma maneira que ele nem sabia explicar, e aquele sorriso lindo se unia perfeitamente à beleza clara deles. É…ele estava apaixonado, e tão de repente!!!

Eles saíram. Ela pediu para dar uma volta pelo quarteirão, pois também tinha que ir, embora seu olhar dissesse totalmente o contrário.
Passaram por um sebo, discutiram discos de vinil e livros antigos. Ela comprou um (nunca sairia sem nada de um sebo!), e ele só olhou. Não sabia explicar, mas de alguma maneira aquele era um ambiente mais dela do que dele.
Deixaram a poeira e as histórias de anos antigos para trás, e pararam na próxima esquina. Olharam um para o outro, decidiram que talvez aquele encontro não devesse terminar só desse jeito.

Ele pegou na mão dela, ela passou a mão no rosto dele, foram ao encontro um do outro. “Nossa! Que beijo me espera!” Ele pensou. Os lábios tocaram-se….

PÉÉÉÉÉÉÉÉÉÉ

Ele mexeu a cabeça, ela estava sentada ali, o livro sobre a bolsa, e ele com os olhos fixos na janela. Olhou o relógio, estava dois minutos a mais atrasado (embora sentisse que esses dois minutos fossem a vida toda que teria com ela). Ajeitou a mochila, o trem andou e ela foi junto.

Era difícil pensar que talvez esta tivesse sido a última vez em que ele havia visto aquele sorriso lindo, mas também era bom pensar que não era impossível encontrá-la de novo. Quem sabe em uma peça de teatro daqui alguns meses, anos? E se assim fosse, daquela vez tudo seria diferente, e ele inclusive estaria uma hora adiantado ao invés de 20 minutos atrasado.

Pegou o próximo trem, já criando o próximo encontro com ela em sua mente, e sorrindo o sorriso mais gostoso que podia sorrir.

Atualizado em 02/2021
Foto de capa: photo-nic.co.uk nic on Unsplash

Sobre o autor

Um cara que é estudante de jornalismo (quase) dedicado, com uma barba ruiva que só vê barbeador (bem) de vez em quando e que gosta de tentar entender o que se passa pela cabeça das pessoas. Meio maluco, mas se entende com a bagunça que é sua mente, gosta de videogames e quadrinhos e é aficcionado por buscar explicações (não) científicas do mundo em que vocês acham que ele vive. Tudo isso enquanto toma uma xícara de chá e ouve discos de vinil de várias décadas atrás.

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