Contos de São Paulo: O homem que amava as sextas e odiava as segundas

São Paulo é uma cidade que consome muito tempo e energia, é uma grande bolha que envolve as pessoas em jornadas extensas e intensas. Com um emprego que te exige uma boa parte do seu tempo e uma rotina de cuidar da casa, da vida e das pessoas, muitas vezes não sobra tempo para viver e ser feliz, é nessas horas que me lembro da história de Gabriel.

Gabriel tinha nome de anjo, dado por sua mãe que era muito católica, acreditava que seu filho era iluminado, o que realmente era, quando nasceu seus pais se separaram e nunca conheceu seu Pai, mas dona Sônia nunca esmoreceu na educação, Gabriel sempre teve tudo que uma criança precisa, com certo conforto, pois sua mãe sempre trabalhou.

O menino terminou a escola e quis fazer faculdade, sua mãe já lhe havia prometido o presente, pagaria seu curso se ele prometesse esforço e dedicação nas matérias. Gabriel escolheu Publicidade em uma universidade presbiteriana perto da consolação, era esse o curso que seus amigos iriam fazer, ele queria ir para a entidade, viver essa coisa glamourosa pregada nos filmes americanos, “american pie” e afins, que na pratica não existem, no máximo umas bebedeiras aqui e ali, umas festas aqui e ali, em meio a muito programa da faculdade e ensino mercadológico.

Começou o curso focado, queria independência financeira, frequentou festas, jogos e conseguiu um estágio na firma do pai de um amigo, era uma corretora, foi ser estagiário de marketing lá, fazia um trabalho maçante que nada condizia com o que ele esperava, procurou e achou outro, em uma agência, pensou agora estar livre das chatices em um ambiente totalmente descontraído, doce ilusão, viu que lá era trabalho, muito trabalho, virando noites e comendo pizzas, mas aguentou, queria ser efetivado naquele emprego da moda, afinal podia ir de bermuda e com barba por fazer, só era duro conciliar a vida pessoal, trabalhava 12 horas por dia quase sempre, de segunda a sexta. Conservava seu estágio e depois de 2 anos, foi efetivado, era enfim um PJ, ganhando um salário maior que de sua mãe.

Em um piscar de olhos Gabriel já estava em uma rotina muito bem definida com seus 27 anos, era formado, trabalhava na sua área e ganhava um bom dinheiro, o problema era que não estava mais aguentando sua vida. Depois de tantos sacrifícios, nada tinha aproveitado de suas “conquistas”. Na época da faculdade dormia no tempo livre, depois de formado passou a trabalhar mais, nunca aproveitou os rolês de Sampa, uma cidade que tem opções de diversão para todos os bolsos e valores, ele só conhecia novelas da tv aberta, musicas do mainstream e redes sociais.

Como mudar agora se tinha acumulado tantas contas para pagar e se sua preparação era para aquele momento. O fato é que só via graça na vida as sextas-feiras, quando enfim se livrava de sua rotina chata; casa; trabalho; casa dormir. Era o seu ritmo, construído desde sua adolescência, na verdade construído desde que sua mãe disse que ele precisava ser alguém na vida, pois bem, ele foi, e não voltou.

Na segunda ele queria morrer, odiava esse dia, como quem odeia o ódio, a relação era profunda com a segunda, ia morrendo aos poucos, enrolava o máximo no trabalho até ser liberado, chegar em casa e dormir. Trocou de trabalho, mas continuava com esse ranço da segunda. Só era feliz aos finais de semana, na sexta sentia-se outro homem, mesmo que só dormisse no final de semana todo, tranquilo ele se sentia completo na sua complexidade. O triste era que ele acreditava ser apenas uma fase, por isso esperava a sexta sempre, vivia esperando, esperando, esperando.

Gabriel aparentava ter uns 35 anos apesar dos 27, era calvo e tinha muito estresse, acumulava multas de transito e acreditava na indústria da multa. Não tinha amigos, tinha parceiros de balada e conhecidos nos bares. De segunda a sexta penteava o cabelo e mantinha-se alinhado, mentia ser feliz e dava risada de piadas idiotas. Na sexta ele se soltava, se embriagava e corria para recuperar o tempo perdido na semana, era assim que ele classificava seu emprego. Com o tempo passou a odiar a terça e a quarta, gostar mais ou menos da quinta e idolatrar a sexta. No sábado era feliz e no domingo descansava e chorava no fim. Em contas rápidas ele passava 5 dias triste e 2 com alegria na semana, por ano isso daria uma merreca de felicidade, mas era a vida que ele levava.

Sobre o autor

Defini-lo é difícil, se diz Escritor e poeta, com formação e atuação nas áreas de comunicação, mas na verdade é apenas um rapaz latino americano, que escreve para se libertar de seus pensamentos. Procura transcrever com palavras o que seus olhos registram e o seu coração sente. Literalmente.

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