O curioso caso de amor entre a menina da estação Vila Matilde e o rapaz da estação Trianon

O curioso caso de amor entre a menina da estação Vila Matilde e o rapaz da estação Trianon

O metrô de São Paulo é capaz de interligar muitos lugares e diminuir distancias, embora uma viagem de Corinthians de Itaquera até o Morumbi ainda seja uma grande caminhada. As linhas se cruzam, se entrelaçam e são cheias de histórias, como essa que vou lhes contar;

Em um dia qualquer de correria de São Paulo, uma jovem estudante de arquitetura de uma faculdade particular na paulista, sai correndo de sua casa com a mochila pesada, preparada para o seu cotidiano, já que depois da faculdade ainda vai para o trabalho, um estágio em uma empresa de decoração e móveis planejados, foi o que conseguiu.  Lá recebe um misero salário de estagiária que se fosse para pagar a faculdade não daria, mas que ajuda nos demais custos de sua jornada; pagar sua internet, comprar livros e com os trocados tomar uma breja no vão do MASP ou se jogar para uma balada vip na augusta.  Ainda bem que Julia (podemos revelar seu nome), tem bolsa de 100 % pelo Prouni, bolsa que conquistou com muito esforço.

Julia além de tudo é uma sonhadora, tem o sonho de um dia fazer a diferença no mundo, seja dentro de sua formação ou não. Ela acredita no poder transformador da educação por isso encara um trabalho chato e uma correria alucinante, realidade comum na cidade. Ela ainda faz parte de movimentos sociais, é uma defensora de uma cidade mais inclusiva. Não é filiada a nenhum partido nem movimento, mas sempre milita a favor das causas que acredita.

Voltemos à linha vermelha as 6 da manhã, é ali que a menina (podemos chamar menina, uma moça de apenas 20 anos) inicia sua jornada, atravessando a cidade de São Paulo, pega o metrô na Vila Matilde (estação da linha vermelha) vai até a estação republica (linha vermelha), depois faz baldeação para a amarela, cai na estação paulista (amarela) e vai para a linha verde. Ela fica dentro das estações por um bom tempo, então leva um livro que ajuda a deixar a viagem mais curta, ou menos entediante, ser leitor no transporte é muito complicado requer muita atenção, equilíbrio e sorte, quando pega lotadão não dá nem para esticar os braços. O livro em questão foi o responsável por um acontecimento na vida de Julia.

Enquanto Julia estava chegando à estação Paulista, um segurança ainda em treinamento começava sua jornada na linha verde, esse rapaz (podemos chamar assim um jovem de 24 anos) foi um estudante de fotografia, que desamparado pela profissão e precisando de grana foi trabalhar de segurança, por seu porte físico, além de uma breve experiência em eventos. Esse cara se chama Guilherme (Podemos revelar seu nome) e divide um apartamento com sua irmã, ambos vieram de Ribeirão Pires pra tentar a vida na capital, ele fazia festas e casamentos e sua irmã é aspirante à cantora.

Linha verde sempre mais tranquila que a vermelha, nas estações onde se tem muitas casas é sempre um descaso, quanto maior o número de empresas a estação fica mais bem cuidada, linha verde também é um cartão postal né.

Naquele dia o destino juntaria o caminho dos dois e marcaria o começo de uma história como as que Julia gostava de ler. Ela distraída com seu livro desequilibra-se e cai, deixando suas coisas espalhadas pela plataforma, Gui (como era chamado pelos mais íntimos) que estava passando, sensibiliza-se com aquela garota e a ajuda, gerando o primeiro contato. Nada de extraordinário até aqui, mas essas coisas do coração não são tão extraordinárias se vistas dentro da banalidade do mundão. Ele a ajudou e ela seguiu seu caminho, mas aquele contato visual ficaria marcado para ambos, quantas pessoas se olham nos olhos hoje em dia? Olhar alguém é marcante, tentar decifrar aquela pessoa é uma raridade, que ocorreu naquele instante.

Aquele olhar ficou constante na jornada dos dois, ela sempre o avistava e ele retribuía seu olhar, quanto tempo nessa troca de sentimentos, olhar é uma forma de carinho cada vez mais escassa hoje em dia, as pessoas não se olham e não se enxergam.  O olhar meigo, que quer dizer algo é como um beijo com os olhos.

Depois de muitas baldeações Julia já se sentia intima de Gui sem nem mesmo saber seu nome, e ao mesmo tempo sentia que sua vida estava melhorando, faculdade levando, trabalho levando, mas agora ela acreditava em sua missão. Estava mais perto de seu sonho a cada dia, era presença garantida em qualquer evento relacionado à arte e cultura e cada vez mais engajada em movimentos ligados a educação e causas sociais. Gui estava firme no trabalho, já sabia muito bem como controlar situações e tumultos no metrô e curtia cada vez mais a cidade de São Paulo. Aprendera muito com seus colegas de trabalho.

Em uma sexta chuvosa, Julia estava atrasada e passou correndo pela estação, deixando cair seu lenço, Gui mais que depressa pegou e guardou, já estava ali o pretexto para começar uma amizade (ele queria algo mais e ela também). No dia seguinte ele entregou o lenço para ela junto com seu telefone e disse que gostaria de conhecer melhor a menina que ele via todo dia. Ela tímida, deu-lhe um sorriso e saiu envergonhada, mas por dentro muito feliz.

O whats comeu solto aquele dia, na madrugada claro, lugar onde as melhores ideias e conversas nascem. Depois de muitas mensagens e áudios. Decidem marcar de se encontrar algum dia desses, comer uma pizza, algo do tipo, por algum motivo eles achavam que deveriam se conhecer melhor.

No dia seguinte ao bate-papo:

Movimentos sociais reivindicavam aumentos salariais pra professores e resistiam ao fechamento de escolas, Julia que saía do trabalho, decide marchar junto e somar com aquele movimento, afinal tinha amigos professores e estudantes secundaristas ali e acreditava nessa luta. O bicho pega em manifestação em São Paulo, é pancadaria e bordoada para todo lado, sempre contra os desarmados. A truculência do Estado é feroz quando se contraria sua verdade absoluta.

Uma noite de corre-corre, Julia corre para o metrô, onde já estavam ali os seguranças postados e agredindo alguns que pulavam as catracas para fugir do gás de pimenta, o clima era tenso e por algum motivo as agressões já estavam rolando dentro do metrô, os seguranças do metrô estavam nervosos com a situação e pela falta de preparo e orientações, cumprem a ordem de não deixar ninguém passar e de “controlar a situação”, era a primeira vez de Gui, era a primeira vez de Julia.

Julia estava com medo, Gui estava com medo, mas ele cumpria ordens, foi programado para isso, então se escorava nos cantos e descia a cacetada em todos que se aproximassem. Ela só queria ir embora, foi encurralada e se sentia vulnerável, foi indo para o canto, até que sentiu uma forte pancada, caiu desacorda, mas antes viu mais uma vez aquele olhar na sua frente, ele havia acertado sua nuca. Um dia antes do primeiro encontro.

Poderia ser uma história de amor, mas não foi.

Atualizado em 03/2021
Foto por João Oliveira em Unsplash

Sobre o autor

Defini-lo é difícil, se diz Escritor e poeta, com formação e atuação nas áreas de comunicação, mas na verdade é apenas um rapaz latino americano, que escreve para se libertar de seus pensamentos. Procura transcrever com palavras o que seus olhos registram e o seu coração sente. Literalmente.

[fbcomments url="https://www.sobrevivaemsaopaulo.com.br/2016/09/o-curioso-caso-de-amor/" width="100%" count="off" num="5"]