Uma pequena reflexão

Uma pequena reflexão

Essa semana eu estava esperando o elevador para ir almoçar. Trabalho no 13° andar de um prédio no centro de São Paulo, um lugar com enormes janelas que não abrem; portanto vivemos apenas de ar condicionado repleto de bactérias que vivem nos filtros velhos e sujos.
O elevador estava demorando. Coloquei a mão no bolso para pegar o celular e verificar as notificações do Facebook, mas ele não estava lá. Me lembrei que eu o tinha deixado carregando no USB no computador. Comportamento típico de estagiário.
Bufei, me virei para voltar à sala, mas então, de canto de olho,  vi uma coisinha voando. Era uma daquelas borboletinhas minúsculas que podem facilmente ser confundidas com mosquitos. A primeira coisa que se passou pela minha cabeça foi: há quantos meses eu não via uma daquela? Anos, talvez. Elas estavam quase extintas ou eu que tinha parado de prestar atenção? O que ela estava fazendo ali? Provavelmente tinha entrado no elevador no térreo e acabou presa naquele corredor da morte. Quais chances ela teria de voltar ao elevador e sair para a rua?
Provavelmente as mesmas chances que eu tinha de sair mais cedo do trabalho, ou seja: não existiam.
Estiquei o braço para pegá-lá, mas meus reflexos são lentos e eu a perdi. Comecei a persegui-la pelo corredor porque não tinha ninguém por perto e ali não existem câmeras (que eu saiba).
Enquanto escrevo esse texto, começo a me perguntar: qual o problema de alguém me ver caçando borboletas na empresa? Eu a deixaria morrer se estivesse acompanhada por alguém?
Sejamos sinceros: provavelmente sim. Vivemos num mundo onde caçar borboletas é estranho, mas abaixar a cabeça e se afundar na tela do celular é normal.
A borboleta finalmente pousou na parede e eu a alcancei. Fechei a mão sobre ela e senti suas asinhas na minha palma.
O elevador chegou e nós -eu e a borboleta- entramos. A ascensorista falou comigo, mas eu estava completamente concentrada em não deixar a refém fugir da minha mão (mas também não podia esmagá-la).
Paramos em quase todos os andares e o elevador lotou de executivos.
Se aquela borboleta fugisse, eu não teria chances de recuperá-la. Graças aos bons deuses, finalmente chegamos ao térreo.
Marquei meu ponto com minha digital, atravessei as catracas com meu crachá e fui para a rua.
Liberdade!
(Na verdade, São Bento).

Abri minha mão e observei a borboletinha tentando se situar… Ela deu alguns passos no meu dedo e voou. Eu a vi subir até que a perdesse de vista. Desejei que ela tivesse mais sorte e não entrasse em nenhum outro elevador. Talvez nunca encontrasse uma parceira (ou parceiro), mas pelo menos não morreria naquele corredor escuro do 13° andar de um prédio qualquer.

Era só uma borboleta, claro, mas me fez pensar… Quantas vezes não deixamos coisas maiores passarem sem percebermos? Talvez aquela borboleta estivesse presa naquele corredor há dias, mas ninguém nunca reparou. Naquele momento decidi que sairia todos os dias para almoçar sem meu celular. O mundo real precisava de um pouco mais de atenção. A pessoa do meu lado ficou me encarando com uma expressão curiosa enquanto fumava seu cigarro. Provavelmente não estava acostumada a ver borboletas sendo resgatadas.

Atualizado em 03/2021
Foto por maria roberta castilho em Unsplash

Sobre o autor

Teve a ideia de criar o Sobreviva em São Paulo, foi lá e fez. Jornalista, trabalha com social media e gosta de uns rolês roots. Acampa no mato, sobe montanha e vive na selva de pedra. Já quis ser detetive, salvar o mundo e fugir com os ciganos. Tem uma relação de amor e ódio com São Paulo, fica para ouvir músicos de rua e corre para nunca chegar atrasada.

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