O metrô de São Paulo também ensina

Texto de Priscilla Millan

Sentada aqui no banco do metro eu divago sobre minha vida e meus problemas cotidianos. Cheio de gente, o vagão é uma mistura de gente de todo tipo, encanto e frescor. Eu olho nos olhos de cada um, reparo nas roupas, no que carrega, nas feições e imagino para onde elas irão, quais são seus planos e afazeres. Ponho-me no lugar de cada um e passo a entrar em vidas diferentes e meu mundo particular já não tem mais graça.

Imagens: Yotube

Neste dia lembro que eu estava voltando do shopping se não me engano. Era um fim de sexta-feira e todos no metro ansiavam para chegar logo em casa, tomar um banho e beber algo gelado. O dia estava quente, apesar de já serem quase sete horas da noite. O ar quente queimava meus miolos e a prova da segunda seguinte pipocava na minha mente. Era complicado estar ali, no meio de tantos outros, com tanto calor.

A minha vida é cheia de altos e baixos, mas sempre ali sentada no metrô era uma segunda casa pra mim. Podem me achar um tanto louca, mas naquele local fechado, lotado e transbordando de gente, eu me sentia viva e bem, via que apesar dos meus problemas, das dificuldades, tinha mais gente no mundo, mais pessoas que talvez passassem por problemas parecidos com os meus, ou até piores, e assim, ao comparar as coisas, as vidas e tudo mais eu não apenas não me sentia sozinha como eu tinha a sensação de que nada é tão perturbador que não seja superado, que mesmo com tudo que passemos todos os dias, há gente, há vida lá fora, pessoas como nós, das mais diversas e das mais marcantes.

Exemplo disso é o senhor que encontrei neste mesmo dia no vagão. Ele estava mais a frente, eu não o via de longe. Mas sua voz se sobressaiu as outras e todos pararam para ouvir suas palavras. A questão era que não eram frases soltas ou uma conversa trivial, era uma declamação. Poesia amigos. Daquelas bonitas, simples, cheias de sonhos e esperança no futuro. Ele mesmo as criava ali, de supetão. Era um arranjo de palavras do dia a dia, ditas de forma melodiosa, cantada de mansinho e com muita doçura na voz.

Imagens: G1
Imagens: G1

Se eu falar parecerá exagero ou muita pretensão, mas todos que eu observava de soslaio estavam ouvindo e prestando atenção. Pararam tudo, largaram jogos de celular, facebook, whatshaap ou um mero livro que carregavam nos braços. Todos ali, ou a maioria ficou sorrindo do nada, parecendo crianças e pararam para ouvir o homem que ali no seu canto começou a nos emocionar com a simplicidade das palavras ditas de seu íntimo.

Seu visual era inspirado em Bob Marley ou nos adeptos do reggae. Cores eram três basicamente: vermelho, verde e amarelo compunham as cores de sua roupa. Seu cabelo tinha vários dreads, com fios meio que saltitantes dentro de um enorme chapéu. Tinha uma viola nas maõs. Era um homem comum com coração de artista. Nas suas veias corriam sangue do reggae, nas suas

Imagens: Opatifundio

palavras a rima engenhosa e bem feita, a inteligência de um homem simples, mas ágil, muito inteligente em seu trabalho. Ali, ele pedia uma ajuda financeira mínima que fosse, mas ele merecia muito mais. Talvez um palco ainda fosse pouco para aquele que me fez sonhar em algumas estações. Onde perdi rumo dos problemas, de tristezas e vi que na vida tem mais. Muito mais.

Ele olhava ao redor, via que estava agradando. Ele sorriu também. Acho que se sentiu útil, amado mesmo que de longe, se sentiu melhor. A vida tem dessas coisas e para mim o metro mostra muito isso. Mostra gente, mostra sonhos, mostra que tudo pode e será melhor. Quando a estação chegou, ele teve que partir. Fiquei triste e creio que muitos ali também compartilharam isso comigo. Ele se despediu e agradeceu. Mas devia ter sido o contrário. Eu agradecer a ele e pedir bis. Por alegrar meu dia e por me dar mais esperança e fé na vida e no próximo. Obrigada, senhor que ama o reggae. Você é demais!

Priscilla Millan Sou uma estudante de jornalismo que escolheu a profissão para conhecer histórias e tocar o coração das pessoas. Além de informar, gosto de escrever, de forma sutil, leve e desconcertante. Gosto da magia das palavras, de seu cheiro e de seus rastros. Gosto de atitudes, mas que por trás delas, haja belas palavras que eternizam cada momento.

Sobre o autor

Priscilla Millan é uma estudante de jornalismo que escolheu a profissão para conhecer histórias e tocar o coração das pessoas. Além de informar, gosta de escrever, de forma sutil, leve e desconcertante. Gosta da magia das palavras, de seu cheiro e de seus rastros. Gosta de atitudes, mas que por trás delas, haja belas palavras que eternizam cada momento.

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