Fazenda Nacional de Ipanema

Fazenda Nacional de Ipanema

Que São Paulo é uma cidade caótica, cheia de vozes, de passos e barulho, todo mundo já sabe. Muito se fala sobre nosso modo de vida, sobre a precariedade do bem-estar, sobre o esquecimento da pausa no meio do dia e a desvalorização da simplicidade. Mesmo assim, a gente insiste em viver aqui, em respirar a poluição e tapar o nariz pro mau cheiro do rio Tietê.

Não me arrependo, eu até gosto, mas em meio a tudo isso o que me deixa mais indignada é ver  a velocidade com que perdemos nossa cultura. Dia após dia prédios históricos dão lugar à shoppings caros e modernos, as árvores velhas com suas raízes enormes e imponentes morrem por descaso, monumentos são pixados e tem suas partes roubadas e assim, pouco a pouco, roubam também um pedaço da gente.

Trabalho com turismo, ouço diariamente relatos de viagens maravilhosas, de praias paradisíacas, de trilhas e morros de tirar o fôlego, e às vezes chego até a duvidar que tudo isso exista mesmo e esteja tão perto da gente. Assim, percebo quão faminta ainda sou de cultura e viagens.

Nosso Estado tem inúmeros problemas, mas inúmeras são também as nossas riquezas, desde a culinária da senhorinha no fogão à lenha até os patrimônios milionários, heranças do Império, do café, do suor dos imigrantes.

Recentemente visitei a Fazenda Nacional de Ipanema, a 120 km da Capital, e fiquei encantada com a simplicidade desse lugar rústico e repleto de história. Logo eu que me fascino com as memórias e as biografias do passado, fiquei imaginando cada pessoa que já andou por ali, quantos foram os segredos sussurrados entre as paredes, quantas vidas começaram e terminaram na mesma terra, e que não deixaram nada além de a sensação de que tudo nesse mundo é mesmo um ciclo.

A região pertencia à Coroa portuguesa e ainda abriga a antiga casa do Imperador (que, apesar de hoje estar em reforma,  se tornou um museu com peças preservadas do século XIX), os fornos de fundição e antigos galpões onde ficavam as máquinas da Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema, uma das primeiras do Brasil.

Muitas curiosidades permeiam a história desse lugar.
O rio de Ipanema, que beira a fazenda, foi o primeiro a ser represado no país e servia para abastecer as máquinas da Casa de Armas, que em 1865 foi protagonista no ápice da exploração de ferro, com a fabricação de material bélico para a Guerra do Paraguai.

As construções da fazenda retratam a miscigenação impulsionada pelas atividades na região, muitos imigrantes foram trazidos para trabalhar e as casas ainda sustentam a arquitetura sueca aliada à técnica portuguesa. Design único, que apesar das ações do tempo, ainda nos dá uma ideia de como se morava naquela época.

A história desse lugar não se estende somente pelo Estado de São Paulo, ela vai além, e está inclusive em um dos mais famosos pontos turísticos do Brasil, o bairro de Ipanema no Rio de Janeiro.
O segundo Barão de Ipanema, que morava na fazenda paulista, tinha terras à beira da praia carioca que na época eram apenas chácaras. Com o tempo foi fundada ali a Vila de Ipanema, que evoluiu até se transformar no conhecido bairro da Cidade Maravilhosa.

Além do viés histórico, a fazenda está situada no coração da Floresta Nacional de Ipanema (daí vem o nome) , o maior ecossistema de Mata Atlântica existente hoje no país. A região foi o ponto de partida para o desenvolvimento das cidades próximas a Sorocaba, no interior de São Paulo.

Depois de abrigar o Império, em 1895, a propriedade foi transferida para o Ministério da Guerra e se transformou em quartel. Depois disso, a área só foi utilizada para a exploração das riquezas naturais. O Ministério da Agricultura criou na região, em 1975, o Centro Nacional de Engenharia Agrícola, responsável pelo batismo do avião “Ipanema”, porque na fazenda aconteciam os cursos de formação técnica de aviação agrícola. Todo esse processo de crescimento e contribuição tecnológica foi interrompido pelo ato político de Collor, em 1992.

Ainda na década de 90, o Movimento Sem Terra (MST) ocupou parte das áreas de preservação da floresta e só não avançaram mais porque, quatro dias depois, o governo destinou a administração de cerca de 5 mil hectares de mata ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA). Mais tarde, em 2007, com a criação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Floresta de Ipanema e todas as demais unidades de conservação federais passaram a ser administradas pelo órgão.

Como se tudo isso ainda não bastasse, as instalações históricas ainda serviram de cenário para as filmagens do filme “Antônio Conselheiro – Canudos”, de Carlos Augusto de Oliveira, em 1976.

Hoje, infelizmente, as instalações estão em estado crítico, o que dá vida ao lugar são os guias que narram as histórias do passado, os cachorros pulguentos e felizes que seguem a gente pelos caminhos e a natureza viva, quase que selvagem. Um mergulho no tempo dos reis, dos vestidos cheios de pano, dos escravos e dos doces caseiros. Tudo isso é a história do nosso País, é a fundação do nosso Estado, é patrimônio do brasileiro.

É possível visitar o lugar e ainda fazer trilhas guiadas nas matas da região!

Para mais informações, clique no link abaixo:
http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/visitacao/unidades-abertas-a-visitacao/2680-floresta-nacional-de-ipanema.html

Atualizado em 02/2021
Foto por Raphaelvao em Wikimedia Commons

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