Galeria do Rock: Menos vendas e mais histórias, por favor!

Galeria do Rock: Menos vendas e mais histórias, por favor!

Você com certeza já ouviu alguém falar, sobre qualquer local, as famosas frases iniciadas em ‘’Mas na minha época…”. Sim, isso normalmente é dito por pessoas mais velhas, que viram grandes mudanças em vários aspectos da cidade e têm mais experiência com tudo o que ocorre a longo prazo.

É inquestionável, no entanto, que a cidade de São Paulo sofreu muitas alterações em vários locais, que fizeram com que eles passem, atualmente, por uma espécie de ‘’crise de identidade’’. Mesmo sendo jovem, eu pude acompanhar algumas delas, e o resultado decididamente não foi o que eu esperava. Um grande exemplo disso é a famosa Galeria do Rock, no centro velho da cidade.

Há tempos, antes de eu conhecer a Galeria e frequentá-la, ela foi um dos mais incríveis pontos de encontro entre músicos, entusiastas, estudiosos, curiosos e todo o tipo de gente que queria saber um pouco mais sobre o universo musical que se abria para os Paulistas diante do surgimento de novas bandas nacionais e da grande quantidade de material estrangeiro que finalmente poderia ser apreciado em solo brasileiro.

Sempre foi muito grande o apreço que nós, amantes de São Paulo, tivemos pelas lojas situadas naquela construção no número 439 da Av. São João, e sempre que possível eram mencionadas em documentários, programas de TV e entrevistas com os músicos que faziam daqueles muros vazados praticamente suas residências particulares.

As lojas não só vendiam discos, elas contavam histórias de um tempo em que “sexo, drogas e rock n’ roll” era um estilo de vida tão comum quanto é ser ‘’hipster’’ ou ‘’geek’’ nos dias de hoje. Isso tudo parecia maravilhoso, mas infelizmente as coisas mudaram.

Comecei a visitar a Galeria do Rock por influência de um amigo meu, e ele sempre me contava histórias incríveis a respeito daquele lugar e das piadas feitas com o senhor que cuidava da “Aqualung” ou dos discos que só eram encontrados na “Baratos e Afins”. Nessa época (veja só, vinte anos e já digo isso) nós íamos para lá aos sábados na hora do almoço (sempre chovia, nunca soubemos porque exatamente, mas sempre chovia) e voltávamos quando já estava escurecendo, cheios de novas aquisições descobertas durante as conversas com os amigos temporários que fazíamos entre uma loja e outra. Chegávamos na casa dele e ouvíamos todos os discos novos comprados, um a um, fingíamos ser críticos musicais de extremo profissionalismo e ainda por cima adicionávamos acordes, reclamando de um ou outro instrumento que não parecia correto. Era isso o que a Galeria significava para nós: histórias e risadas.

Passamos um bom tempo sem ir, e da última vez que resolvemos ‘’voltar às raízes’’ de um bom sábado, não choveu. Chegamos lá e nos deparamos com tudo, menos a possibilidade de fazer novos amigos. De verdade, acho ótima a ideia de unir novas ‘’tribos’’ e culturas em um local só, isso é e sempre será maravilhoso, e de maneira alguma estou reclamando disso nesse relato.

Como sempre fazíamos, cruzamos a entrada principal e pegamos as escadas direto até o andar onde começam as lojas focadas em música, e logo os primeiros discos apareceram, puxando nosso olhar para as novidades que não pudemos acompanhar. Entramos em uma loja, saímos, entramos em outra, saímos… Fizemos isso durante alguns minutos, e não conseguimos conversar com ninguém, não encontramos conversas, não fizemos amigos novos e muito menos compramos algo, faltou vontade.

Foi muito triste notar que a tão famosa Galeria do Rock se tornou, quase completamente, um centro comercial, resumindo-se à compra e venda de discos (raros ou não) e sem a presença de toda aquela massa entendedora e conversadeira que sempre encontramos lá. Os vendedores pareciam treinados como quem cuida de um caixa de supermercado, e os poucos que entendiam de algo, pareciam não ter mais fôlego para conversar.

Saímos de lá e fomos até a Estação São Bento discutindo qual seria a razão para que a Galeria não ‘’respirasse’’ mais música, não parecesse mais inserida naquele universo que tanto nos atraía. Seria a correria das pessoas que não permite mais uma conversa no sábado à tarde? Seria o desejo inacabável por lucro que transformou as lojas em simples pontos de venda? Será que a própria mídia atingiu um ponto que finalmente despopularizou totalmente as discussões a respeito de CDs e bandas novas?

Não dá para saber ao certo, mas com certeza eu, ele e todos que curtem ou curtiram aquele lugar tanto quanto a gente esperam que a Galeria nunca fique ‘’velha demais’’, e saia dizendo por aí, como se já houvesse passado tudo, que ‘’Naquela época, eu fui mais do que isso.”, e sim que ela continue criando novas histórias ao invés de contar somente as antigas.

Atualizado em 02/2021
Foto por Marilia Kaz em Wikimedia Commons

Sobre o autor

Um cara que é estudante de jornalismo (quase) dedicado, com uma barba ruiva que só vê barbeador (bem) de vez em quando e que gosta de tentar entender o que se passa pela cabeça das pessoas. Meio maluco, mas se entende com a bagunça que é sua mente, gosta de videogames e quadrinhos e é aficcionado por buscar explicações (não) científicas do mundo em que vocês acham que ele vive. Tudo isso enquanto toma uma xícara de chá e ouve discos de vinil de várias décadas atrás.

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